caderno de notas, pág. 11 # Projeto 33: a toalha
Encontraríamos ainda mil intermediários entre a realidade e os símbolos se déssemos às coisas todos os movimentos que elas sugerem.
Se você perdeu as outras páginas sobre o Projeto 33, segue a linha:
caderno de notas, pág. 8# Projeto 33: mesa-posta
caderno de notas, pág. 9 # Projeto 33: os objetos
Demorei para voltar, porque descobri que existe um cronograma específico de editais que abrem todos os anos no período de setembro e outubro. Então, basicamente, passei esse intervalo de tempo escrevendo projetos como se não houvesse amanhã. Depois disso, precisei de um tempo pra recobrar as palavras - como quem recobra a própria consciência - e, também de certa forma, aterrar aqui de volta neste projeto.
Cada objeto necessita seu próprio tempo e espaço para que aconteça. De certa forma, respeitar e observar esse tempo e seus sinais tem aberto novas possibilidades para cada um deles. Vamos para a toalha.
Num primeiro momento, para a toalha, eu via tentáculos-braços que saíam de dentro, de fora e de suas laterais. Como uma aranhona mesmo em tecido xadrez. Dessas que vivem nos cantos, nas bordas, nas sancas, nos encontros de parede e teto.
“O canto transforma-se num armário de recordações. Tendo transposto os mil pequenos umbrais da desordem das coisas na poeira, os objetos-lembranças colocam o passado em ordem.”
Entre um canto e outro, entre um texto e outro, no pouco tempo que eu tive, visitei a exposição Era Brasília, que aconteceu no MAB, Museu de Arte de Brasília. Queria muito ver de perto, exposto e ao vivo, o trabalho de Cecília Lima.
As esculturas-caminhões eram extremamente sedutoras, interessantes e curiosas. Meus olhos e meu corpo, entretanto, insistiram nas pinturas - que a artista chama de desenhos. Naquele momento e depois, me interessou - e me interessa - pensar em como, para mim, as pinturas de Cecília tinham mais movimento que as esculturas- caminhões. Não que seja algo obrigatório haver movimento nas esculturas. Mas, naquele momento, ao olhar as pinturas-caminhões, eu estremecia um pouquinho junto com a linha.
Cecília Lima, BR 450 I, II e III / 2022 / Desenho / Foto: Clara Molina
Fiquei com a imagem e a sensação física e segui. Ao longo do mês, também fiz um curso sobre Lenora de Barros, um curso que antecedeu a exposição na Pinacoteca de São Paulo. Entre tantos suportes que a artista utiliza, a fotografia e os desdobramentos que acontecem no trabalho a partir desse registro me chamaram a atenção. Parecia haver uma comunicação íntima entre a artista e o que ela registrava.
Na minha cabeça, criei toda uma conversa simbiótica a partir dessa relação.
Lenora de Barros, Poema / 1980
Ficar em contato com a linha de Cecília e as fotografias de Lenora me fez gerar um início de conversa com meu próprio trabalho e, por que não, com o projeto 33. Trabalho dentro de trabalho, camada dentro de camada.
“Dar seu espaço poético a um objeto é dar-lhe mais espaço do que aquele que ele tem objetivamente, ou, melhor, é seguir a expansão de seu espaço íntimo.”
Com qualquer toalha, de modo genérico, seu uso cotidiano se dá ao fazer o movimento de estender por uma determinada superfície. E ela vira base, ela sustenta a dança de pratos, copos, talheres e mãos que trocam passos junto com este ritual.
Pensei também que o movimento de estender a toalha sobre uma determinada superfície seria um gesto que necessita quase do corpo inteiro para ser exercido. Um punhado de movimento entre músculos, ossos e nervos que farão a mecânica acontecer.
Então, fotografei esse caminho que a toalha faz no ar, como faz Lenora. Tirei o foco do meu gesto e da força que eu exerço sobre ele e quis observar o desenho que aquele objeto me devolvia, como as linhas em movimento de Cecília.
Projeto 33, Toalha-tentáculo / 2022
No final das contas, a imagem de tentáculo, que subjetivamente eu desejava no início, está presente aqui de alguma forma.
Na última edição da newsletter falei um pouco sobre a minha nova série de pinturas intitulada Ensaios sobre percepção de ressonância e agora já temos o dia escolhido!
A data de abertura do catálogo de vendas que será 11/11/2022 ao meio-dia. Nos próximos dias vou fazer uma página dedicada especialmente para esta série.
Obrigada por ler o caderno de notas! Espero que tenham gostado e nos vemos em breve na próxima página.
Se você gosta do caderno de notas, uma maneira muito fácil de apoiar meu trabalho é compartilhar as páginas com alguém que possa se interessar:
Lenora de Barros, Parto sem dor / 2019.
Hoje todas as citações são do livro A poética do espaço, Gaston Bachelard. Na sequência as páginas 204, 290 e 328.