Uma das coisas mais difíceis para mim tem sido aterrar. A folha de papel e o grafite ajudam muito nesse processo. Talvez porque, inconscientemente, embaixo de toda essa química aprimorada há milênios, existe aí um pedaço de natureza que faz as vezes do pé em contato com a terra. (Quase) Toda vez que me encontro com esses dois elementos, penso nesses pequenos encontros microscópicos de aterramento que se tem por trás de uma versão mais macro, digamos assim.
Certa vez, queria muito um lápis de cor com um tom de rosa claro específico. Um tipo de rosa que dava um bom contraste de cor com o vermelho que eu usava na época, e, ao mesmo tempo, também mantinha um brilho parecido, mas com intensidades diferentes.
Comprei o rosa seguindo a referência numérica e chegou outro rosa, um pouco mais escuro e mais azulado. Por uma semana, fiquei tentando devolver o tal lápis rosa, e quem me respondia do lado de lá não aceitava meu desejo, alegando que o fabricante tinha substituído um rosa pelo outro, e este outro era então o novo de linha.
Ao mesmo tempo, eu argumentava do lado de cá dizendo que já conhecia os dois rosas, sabia de suas diferenças, mostrava a folha de papel pintada com as duas cores, e nada era suficiente. O que importava pra mim era a cor, sua intensidade e o movimento que criava com o vermelho. A combinação de cores é que faz o jogo do aterramento acontecer.
Outro material que faz o papel de aterramento para mim é a tinta, tinta acrílica de parede. Ela forma uma camada um tanto plástica e, em certas superfícies, forma um grande bloco de cor e, em outras, na mesma medida, vira mole e maleável. E não ganha cobertura, não vira bloco. É fluída, dilui com água, mas não perde intensidade de cor.
Curiosamente, se a lata ficar um tempo maior parada, sem uso, sem movimento, um mofo se cria. Um mofo muito parecido com o da comida em contato com a terra. Deve haver uma grande explicação científica e racional para isso acontecer, mas certamente perderia toda a poesia e os ritos de observação do contato direto com o corpo.
Outra coisa que a mim parece muito interessante é que ela não aceita muito bem a mistura com outras cores, outras tintas na verdade, à exceção do branco (já decidimos se branco é cor? Não lembro). Ainda assim, faz seu papel de absorver, absorver, absorver, para depois mudar seu tom. Leva tempo e precisa esperar secar.
Quero agradecer vocês que leem e emprestam seu tempo para o caderno de notas! Espero que tenham gostado dos momentos que dividimos em 2022 e nos vemos em breve na próxima página :)